A
partir desta aula iniciaram-se as apresentações dos seminários e painéis.
O
primeiro grupo a se apresentar escolheu tema Pesquisa Narrativa em
forma de painel. Para melhor entendimento do assunto, abaixo encontram-se
algumas definições de Pesquisa Narrativa segundo diferentes
autores.
- Para Mello (1999), quando se fala em
narrativa, pensa-se logo no texto narrativo da literatura. Ao se pensar no
termo "narrativa” como algo relacionado com histórias,
inicia-se um processo de não aceitação desse tipo de discurso no contexto
acadêmico, já que, em geral, histórias não parecem conter o nível de veracidade
e verdade que se exige nos meios acadêmicos.
- Em Mello (2005), dependendo da concepção de
narrativa que se tenha, sua aplicação em estudos acadêmicos pode seguir
caminhos diversos. Alguns autores denominam Pesquisa Narrativa como os
estudos desenvolvidos sobre as narrativas da literatura. Debruçam-se sobre
autores como Dostoyevisky, por exemplo, e assumem como foco o estudo da
narrativa em suas obras, detendo-se a investigar estilo, linguagem e
considerações sobre o autor e o contexto histórico em que viveu.
- Ochs (2001) toma o foco para o estudo de diálogos
do dia a dia das pessoas, tentando ver de que forma esses diálogos desenvolvem
uma narrativa implícita e como as pessoas envolvidas nos diálogos reagem ou
respondem ao desenvolvimento da narrativa durante a conversa registrada. Nesses
casos, a relação pesquisador-pesquisado não parece relevante, já que após
obtenção dos dados gravados, parece não haver muita interação entre os mesmos.
- Diferentemente, a Pesquisa
narrativa conforme abordada por Clandinin e Connelly (2000) é o
estudo da experiência como história, assim, é principalmente uma forma de
pensar sobre a experiência. Ainda para esses autores, a narrativa é o método de
pesquisa e ao mesmo tempo o fenômeno pesquisado.
- É importante ressaltar que, apesar de que a Pesquisa
Narrativa possa ser desenvolvida com base em artes, como apontado por
Diamond (1999), isso não implica que seja sempre baseada em artes. Embora em
muitos dos estudos em Pesquisa Narrativa haja ampla utilização
de metáforas, poemas, ficção e outras formas de arte como representação dos dados
de pesquisa, há outros que embora ainda com alto nível de subjetividade não
utilizam nenhum tipo de arte.
Sobre a metodologia da Pesquisa Narrativa, pode-se dizer que:
- Para Connelly & Clandinin (2004), uma Pesquisa
Narrativa pode ser desenvolvida apenas pelo contar de histórias (telling),
ou pelo vivenciar de histórias (living). A Pesquisa
Narrativa vem sendo desenvolvida em diversas áreas e em relação às
organizações, por exemplo, é possível desenvolver esse tipo de pesquisa com o
intuito de dar voz aos funcionários das empresas sobre os processos nela
vividos. Em geral, as pesquisas do mundo administrativo nas corporações
voltam-se para o que pensam os gerentes, diretores e executivos, deixando a
grande massa operária de fora das pesquisas qualitativas (Czarniawska, 1997).
Portanto, parece interessante abrir espaço para que se ouça as histórias dos
trabalhadores em relação as estratégias empresariais adotadas, considerando seu
conhecimento prático profissional relacionado com a empresa. Essa é uma
proposta de Pesquisa Narrativa que não necessariamente
enfocaria as histórias pessoais dos participantes. É possível também trabalhar
a Pesquisa Narrativa com crianças, como fazem vários
mestrandos e doutorandos. Neste caso, não são autobiografias que estão sendo
desenvolvidas, mas sim estudos sobre as histórias que as crianças vivem no
contexto escolar. Na perspectiva apontada por Connelly e Clandinin (2000 e
2004) a pesquisa narrativa não é sinônimo de autobiografia, é apenas uma de
suas diversas possibilidades.
-
Connelly e Clandinin (1995) retoma uma especificidade importante acerca das
narrativas: a temporalidade. Ressaltam que o tempo é um fenômeno que não pode
ser desconsiderado nesse tipo de pesquisa, pois ao contar uma história, o
autor-narrador articula a tríade temporal: presente, passado e futuro. Segundo
Thomson (1997), “ao narrar uma história, identificamos o que pensamos que
éramos no passado, quem pensamos ser no presente e o que gostaríamos de ser no
futuro”. Em outras palavras, a história é narrada no presente, mas remete tanto
o autor quanto o ouvinte às experiências vivenciadas no passado, com projeções
para o futuro.
O
segundo grupo a se apresentar escolheu tema Pesquisa Etnográfica em
forma de seminário presencial. Diante da apresentação do grupo e da
leitura de alguns artigos, podem-se destacar alguns pontos sobre o tema em
questão:
- A pesquisa etnográfica apresenta e traduz a
prática da observação, da descrição e da análise das dinâmicas interativas e
comunicativas como uma das mais relevantes técnicas. Assim, ao se avaliar
programas e projetos, visando a recomendação de soluções para os problemas e
impasses identificados, deve-se levar em conta as evidências da observação e da
descrição, elementos cruciais da atividade etnográfica. E, se é a partir dos
encontros e relacionamentos que extraímos a compreensão e explicação das
experiências humanas, que se dão no mundo da vida, no mundo do trabalho, no
mundo do entretenimento e da arte, então, somente poderemos extrair as
evidências necessárias para compreender os contextos destes relacionamentos, a
partir das análises das dinâmicas que marcam esses encontros.
- A filosofia da pesquisa etnográfica repousa na
“doutrina” que compreende a vida e a existência social como localizadas e
resultantes no fato mais óbvio: o encontro e o relacionamento. E é nesse e
desse encontro que emergem todas as formas de negociação, solidariedade,
valores, redes, transmissão, trocas, simbologias e cerimônias, conflitos,
compartilhamentos, etc.
- Segundo Braga (1988), no processo de investigação, deve-se
levar em consideração não só o que é visto e experimentado, como também o não
explicitado, aquilo que é dado por suposto, ou seja, de uma colocação geral, supostamente
entendida, vai se subtraindo questionamentos, até que tudo fique explícito. A
linguagem é um ponto importante a se considerar, pois somente o autor da
sentença pode dar a dimensão exata, o conteúdo e as razões de suas colocações,
já que são as experiências que definem o conteúdo significativo da sentença.
- As
realidades sociais, quando estudadas sob a ótica de um sistema considerado
padrão, são distorcidas, não levando em consideração as culturas de grupos na
construção dos significados. Enquanto a etnologia estuda o significado da vida
diária, a etnografia procura descrever esses significados (Braga, 1988). Para Segovia Herrera
(1988), o método etnográfico
tem a finalidade de desvendar a realidade através de uma perspectiva cultural.
-
Para Bernardi (1974) são quatro os fatores essenciais da cultura: “o anthropos,
ou seja, o homem na sua realidade individual e pessoal; o ethnos, comunidade ou
povo entendido como associação estruturada de indivíduos; o oikos, o ambiente
natural e cósmico dentro do qual o homem se encontra a atuar; o chronos, o
tempo, condição ao longo do qual, em continuidade de sucessão, se desenvolve a
atividade humana”.
-
Segovia Serrera (1988) e Lüdke & André (1986) citam Wilson (1977), para
quem a pesquisa etnográfica fundamenta-se em dois conjuntos de hipóteses sobre
o comportamento humano:
a)
a hipótese naturalista-ecológica, que afirma ser o comportamento humano
significativamente influenciado pelo contexto em que se situa daí a necessidade
de estudar o indivíduo em seu ambiente natural;
b)
a hipótese qualitativo-fenomenológica, que determina ser quase impossível
entender o comportamento humano sem tentar entender o quadro referencial dentro
do qual os indivíduos interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações. Desta
forma, o pesquisador deve exercer o papel subjetivo de participante e o papel
objetivo de observador, a fim de compreender e explicar o comportamento humano.
Sobre a metodologia da Pesquisa Etnográfica, pode-se dizer que:
-
Segundo Lüdke & André (1986), para verificar se um estudo pode ser chamado
de etnográfico, “verificar se a pessoa que lê esse estudo consegue interpretar
aquilo que ocorre no grupo estudado tão apropriadamente como se fosse um membro
deste grupo". Os mesmos autores apresentam ainda os critérios para
utilização da abordagem etnográfica propostos por Wolcott e resumidos por
Firestone e Dowson (1981):
1) o problema é redescoberto no campo e,
assim, o etnógrafo deve evitar definições rígidas e apriorística de hipótese,
pois, ao mergulhar na situação, o problema inicial da pesquisa deverá ser
revisto e aprimorado;
2)
o pesquisador deve realizar a maior parte do trabalho de campo pessoalmente,
pois a experiência direta com a situação em estudo permite um contato íntimo e
pessoal com a realidade estudada;
3)
o trabalho de campo deve permitir uma longa imersão na realidade para entender
as regras, costumes e convenções que governam a vida do grupo estudado;
4)
o pesquisador deve ter tido uma experiência com outros povos de outras
culturas, pois o contraste com outras culturas ajuda a entender melhor o
sentido que o grupo estudado atribui às suas experiências;
5)
a abordagem etnográfica combina vários métodos de coleta, sendo que os
principais são: observação participante e entrevista com informantes.
Entretanto, além destes, outros métodos podem ser usados, como os
levantamentos, as histórias de vida, a análise de documentos, testes psicológicos,
videotypes, fotografias e outros;
6) o relatório etnográfico apresenta uma
grande quantidade de dados primários, que permitem, além de descrições precisas
da situação estudada, ilustrar a perspectiva dos participantes, isto é, a suas
maneira de ver o mundo e a suas próprias ações.
-
As autoras Lüdke & André (1986), descrevem também, três etapas para a
realização da pesquisa etnográfica:
1)
Exploração – envolve a seleção e definição de problemas, a escolha do local
onde será feito o estudo e o estabelecimento de contatos para a entrada no
campo. Nesta fase, são realizadas as primeiras observações com a finalidade de
adquirir maior conhecimento sobre o fenômeno e possibilitar a seleção de
aspectos que serão mais sistematicamente investigados. Essas primeiras
indagações orientam o processo da coleta de informações e permitem formulação
de uma série de hipóteses que podem ser modificadas à medida que novos dados
vão sendo coletados.
2) Decisão – consiste numa busca mais
sistemática daqueles dados que o pesquisador selecionou como os mais
importantes para compreender e interpretar o fenômeno estudado. Assim, os
autores, citando Wilson (1977), afirmam que os tipos de dados relevantes são:
forma e conteúdo da interação verbal dos participantes; forma e conteúdo da
interação verbal com o pesquisador; comportamento nãoverbal; padrões de ação e
não-ação; traços, registros de arquivos e documentos. Os tipos de dados
coletados podem mudar durante a investigação, pois as informações colhidas e as
teorias emergentes devem ser usadas para dirigir a subsequente coleta de dados.
3) Descoberta – consiste na explicação da
realidade; isto é, na tentativa de encontrar os princípios subjacentes ao
fenômeno estudado e de situar as várias descobertas num contexto mais amplo.
Deve haver uma interação contínua entre os dados reais e as suas possíveis
explicações teóricas permitindo estruturação de um quadro teórico, dentro do
qual o fenômeno pode ser interpretado e compreendido.
Os materiais de apoio utilizados nesta aula são:
BERNARDI, B.
Introdução aos estudos etno-antropológicos: perspectivas do homem. São Paulo:
Edições 70, 1974.
BRAGA, C.M.L. A
etnometodologia como recurso metodológico na análise sociológica. Ci. Cult.,
v.40, n.10, out., 1988.
CLANDININ, D.J. & CONNELLY, F. M. (2000) Narrative Inquiry: Experience and Story in Qualitative Research. San Francisco: Jossey-Bass.
CONNELLY, F. M.
CLANDININ, J.; Teachers as curriculum planners: narratives of experience. New
York: Teachers College Press, 1995.
CONNELLY, M & CLANDININ, D.J. (2004). Narrative
Inquiry. Complementary Methods for Research in Education. 3rd Edition,
Washington: American Educational Research Association.
CZARNIAWSKA, B. (1997) Narrating the
Organization: dramas of institutional identity. Chicago: University of Chicago
Press.
DIAMOND, C.T.P & MULLEN, C.A (1999) The
Postmodern Educator: Arts-Based Inquiries and Teacher Development. New York:
Peter Lang.
LIMA, C.M.G. de;
DUPAS, G.; OLIVEIRA, I.de; KAKEHASHI, S. Pesquisa etnográfica: iniciando sua
compreensão. Rev. latino-am.enfermagem, Ribeirão Preto, v. 4, n. 1, janeiro
1996.
MELLO, D.M. (1999)
Viajando Pelo Interior de Um Ser Chamado Professor. Dissertação de Mestrado.
LAEL/ PUC-SP.
MELLO, D. M. (2005)
Histórias de subversão do currículo, conflitos e resistências: buscando espaço
para a formação do professor na aula de língua inglesa do curso de Letras. Tese
de doutorado. LAEL/PUC-SP.
OCHS, E & CAPPS, L. (2001) Living Narrative:
Creating Lives in Everyday Storytelling. England: Harward
University Press.
SEGOVIA HERRERA, M.
Risco e segurança do trabalho desde o ponto de vista de um grupo de
trabalhadores de uma agência de distribuição de energia elétrica. In: ENCONTRO
INTERAMERICANO DE PESQUISA QUALITATIVA EM ENFERMAGEM, I. São Paulo. Trabalhos.
São Paulo, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Departamento de
Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, 1988. (Resumo)