Aula 08 - 29.09.2015

A partir desta aula iniciaram-se as apresentações dos seminários e painéis.

O primeiro grupo a se apresentar escolheu tema Pesquisa Narrativa em forma de painel. Para melhor entendimento do assunto, abaixo encontram-se algumas definições de Pesquisa Narrativa segundo diferentes autores. 

- Para Mello (1999), quando se fala em narrativa, pensa-se logo no texto narrativo da literatura. Ao se pensar no termo "narrativa” como algo relacionado com histórias, inicia-se um processo de não aceitação desse tipo de discurso no contexto acadêmico, já que, em geral, histórias não parecem conter o nível de veracidade e verdade que se exige nos meios acadêmicos.

- Em Mello (2005), dependendo da concepção de narrativa que se tenha, sua aplicação em estudos acadêmicos pode seguir caminhos diversos. Alguns autores denominam Pesquisa Narrativa como os estudos desenvolvidos sobre as narrativas da literatura. Debruçam-se sobre autores como Dostoyevisky, por exemplo, e assumem como foco o estudo da narrativa em suas obras, detendo-se a investigar estilo, linguagem e considerações sobre o autor e o contexto histórico em que viveu. 

- Ochs (2001) toma o foco para o estudo de diálogos do dia a dia das pessoas, tentando ver de que forma esses diálogos desenvolvem uma narrativa implícita e como as pessoas envolvidas nos diálogos reagem ou respondem ao desenvolvimento da narrativa durante a conversa registrada. Nesses casos, a relação pesquisador-pesquisado não parece relevante, já que após obtenção dos dados gravados, parece não haver muita interação entre os mesmos.

- Diferentemente, a Pesquisa narrativa conforme abordada por Clandinin e Connelly (2000) é o estudo da experiência como história, assim, é principalmente uma forma de pensar sobre a experiência. Ainda para esses autores, a narrativa é o método de pesquisa e ao mesmo tempo o fenômeno pesquisado.

- É importante ressaltar que, apesar de que a Pesquisa Narrativa possa ser desenvolvida com base em artes, como apontado por Diamond (1999), isso não implica que seja sempre baseada em artes. Embora em muitos dos estudos em Pesquisa Narrativa haja ampla utilização de metáforas, poemas, ficção e outras formas de arte como representação dos dados de pesquisa, há outros que embora ainda com alto nível de subjetividade não utilizam nenhum tipo de arte.

Sobre a metodologia da Pesquisa Narrativa, pode-se dizer que:

- Para Connelly & Clandinin (2004), uma Pesquisa Narrativa pode ser desenvolvida apenas pelo contar de histórias (telling), ou pelo vivenciar de histórias (living).  A Pesquisa Narrativa vem sendo desenvolvida em diversas áreas e em relação às organizações, por exemplo, é possível desenvolver esse tipo de pesquisa com o intuito de dar voz aos funcionários das empresas sobre os processos nela vividos. Em geral, as pesquisas do mundo administrativo nas corporações voltam-se para o que pensam os gerentes, diretores e executivos, deixando a grande massa operária de fora das pesquisas qualitativas (Czarniawska, 1997). Portanto, parece interessante abrir espaço para que se ouça as histórias dos trabalhadores em relação as estratégias empresariais adotadas, considerando seu conhecimento prático profissional relacionado com a empresa. Essa é uma proposta de Pesquisa Narrativa que não necessariamente enfocaria as histórias pessoais dos participantes. É possível também trabalhar a Pesquisa Narrativa com crianças, como fazem vários mestrandos e doutorandos. Neste caso, não são autobiografias que estão sendo desenvolvidas, mas sim estudos sobre as histórias que as crianças vivem no contexto escolar. Na perspectiva apontada por Connelly e Clandinin (2000 e 2004) a pesquisa narrativa não é sinônimo de autobiografia, é apenas uma de suas diversas possibilidades. 

- Connelly e Clandinin (1995) retoma uma especificidade importante acerca das narrativas: a temporalidade. Ressaltam que o tempo é um fenômeno que não pode ser desconsiderado nesse tipo de pesquisa, pois ao contar uma história, o autor-narrador articula a tríade temporal: presente, passado e futuro. Segundo Thomson (1997), “ao narrar uma história, identificamos o que pensamos que éramos no passado, quem pensamos ser no presente e o que gostaríamos de ser no futuro”. Em outras palavras, a história é narrada no presente, mas remete tanto o autor quanto o ouvinte às experiências vivenciadas no passado, com projeções para o futuro.

O segundo grupo a se apresentar escolheu tema Pesquisa Etnográfica em forma de seminário presencial.  Diante da apresentação do grupo e da leitura de alguns artigos, podem-se destacar alguns pontos sobre o tema em questão:

- A pesquisa etnográfica apresenta e traduz a prática da observação, da descrição e da análise das dinâmicas interativas e comunicativas como uma das mais relevantes técnicas. Assim, ao se avaliar programas e projetos, visando a recomendação de soluções para os problemas e impasses identificados, deve-se levar em conta as evidências da observação e da descrição, elementos cruciais da atividade etnográfica. E, se é a partir dos encontros e relacionamentos que extraímos a compreensão e explicação das experiências humanas, que se dão no mundo da vida, no mundo do trabalho, no mundo do entretenimento e da arte, então, somente poderemos extrair as evidências necessárias para compreender os contextos destes relacionamentos, a partir das análises das dinâmicas que marcam esses encontros.

- A filosofia da pesquisa etnográfica repousa na “doutrina” que compreende a vida e a existência social como localizadas e resultantes no fato mais óbvio: o encontro e o relacionamento. E é nesse e desse encontro que emergem todas as formas de negociação, solidariedade, valores, redes, transmissão, trocas, simbologias e cerimônias, conflitos, compartilhamentos, etc.

- Segundo Braga (1988), no processo de investigação, deve-se levar em consideração não só o que é visto e experimentado, como também o não explicitado, aquilo que é dado por suposto, ou seja, de uma colocação geral, supostamente entendida, vai se subtraindo questionamentos, até que tudo fique explícito. A linguagem é um ponto importante a se considerar, pois somente o autor da sentença pode dar a dimensão exata, o conteúdo e as razões de suas colocações, já que são as experiências que definem o conteúdo significativo da sentença.

- As realidades sociais, quando estudadas sob a ótica de um sistema considerado padrão, são distorcidas, não levando em consideração as culturas de grupos na construção dos significados. Enquanto a etnologia estuda o significado da vida diária, a etnografia procura descrever esses significados (Braga, 1988). Para Segovia Herrera (1988), o método etnográfico tem a finalidade de desvendar a realidade através de uma perspectiva cultural.

- Para Bernardi (1974) são quatro os fatores essenciais da cultura: “o anthropos, ou seja, o homem na sua realidade individual e pessoal; o ethnos, comunidade ou povo entendido como associação estruturada de indivíduos; o oikos, o ambiente natural e cósmico dentro do qual o homem se encontra a atuar; o chronos, o tempo, condição ao longo do qual, em continuidade de sucessão, se desenvolve a atividade humana”.

- Segovia Serrera (1988) e Lüdke & André (1986) citam Wilson (1977), para quem a pesquisa etnográfica fundamenta-se em dois conjuntos de hipóteses sobre o comportamento humano:

a) a hipótese naturalista-ecológica, que afirma ser o comportamento humano significativamente influenciado pelo contexto em que se situa daí a necessidade de estudar o indivíduo em seu ambiente natural;

b) a hipótese qualitativo-fenomenológica, que determina ser quase impossível entender o comportamento humano sem tentar entender o quadro referencial dentro do qual os indivíduos interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações. Desta forma, o pesquisador deve exercer o papel subjetivo de participante e o papel objetivo de observador, a fim de compreender e explicar o comportamento humano.

Sobre a metodologia da Pesquisa Etnográfica, pode-se dizer que:

- Segundo Lüdke & André (1986), para verificar se um estudo pode ser chamado de etnográfico, “verificar se a pessoa que lê esse estudo consegue interpretar aquilo que ocorre no grupo estudado tão apropriadamente como se fosse um membro deste grupo". Os mesmos autores apresentam ainda os critérios para utilização da abordagem etnográfica propostos por Wolcott e resumidos por Firestone e Dowson (1981):

 1) o problema é redescoberto no campo e, assim, o etnógrafo deve evitar definições rígidas e apriorística de hipótese, pois, ao mergulhar na situação, o problema inicial da pesquisa deverá ser revisto e aprimorado;

2) o pesquisador deve realizar a maior parte do trabalho de campo pessoalmente, pois a experiência direta com a situação em estudo permite um contato íntimo e pessoal com a realidade estudada;

3) o trabalho de campo deve permitir uma longa imersão na realidade para entender as regras, costumes e convenções que governam a vida do grupo estudado;

4) o pesquisador deve ter tido uma experiência com outros povos de outras culturas, pois o contraste com outras culturas ajuda a entender melhor o sentido que o grupo estudado atribui às suas experiências;

5) a abordagem etnográfica combina vários métodos de coleta, sendo que os principais são: observação participante e entrevista com informantes. Entretanto, além destes, outros métodos podem ser usados, como os levantamentos, as histórias de vida, a análise de documentos, testes psicológicos, videotypes, fotografias e outros;

 6) o relatório etnográfico apresenta uma grande quantidade de dados primários, que permitem, além de descrições precisas da situação estudada, ilustrar a perspectiva dos participantes, isto é, a suas maneira de ver o mundo e a suas próprias ações.

- As autoras Lüdke & André (1986), descrevem também, três etapas para a realização da pesquisa etnográfica:

1) Exploração – envolve a seleção e definição de problemas, a escolha do local onde será feito o estudo e o estabelecimento de contatos para a entrada no campo. Nesta fase, são realizadas as primeiras observações com a finalidade de adquirir maior conhecimento sobre o fenômeno e possibilitar a seleção de aspectos que serão mais sistematicamente investigados. Essas primeiras indagações orientam o processo da coleta de informações e permitem formulação de uma série de hipóteses que podem ser modificadas à medida que novos dados vão sendo coletados.

 2) Decisão – consiste numa busca mais sistemática daqueles dados que o pesquisador selecionou como os mais importantes para compreender e interpretar o fenômeno estudado. Assim, os autores, citando Wilson (1977), afirmam que os tipos de dados relevantes são: forma e conteúdo da interação verbal dos participantes; forma e conteúdo da interação verbal com o pesquisador; comportamento nãoverbal; padrões de ação e não-ação; traços, registros de arquivos e documentos. Os tipos de dados coletados podem mudar durante a investigação, pois as informações colhidas e as teorias emergentes devem ser usadas para dirigir a subsequente coleta de dados.

 3) Descoberta – consiste na explicação da realidade; isto é, na tentativa de encontrar os princípios subjacentes ao fenômeno estudado e de situar as várias descobertas num contexto mais amplo. Deve haver uma interação contínua entre os dados reais e as suas possíveis explicações teóricas permitindo estruturação de um quadro teórico, dentro do qual o fenômeno pode ser interpretado e compreendido.

Os materiais de apoio utilizados nesta aula são:

BERNARDI, B. Introdução aos estudos etno-antropológicos: perspectivas do homem. São Paulo: Edições 70, 1974.

BRAGA, C.M.L. A etnometodologia como recurso metodológico na análise sociológica. Ci. Cult., v.40, n.10, out., 1988.

CLANDININ, D.J. & CONNELLY, F. M. (2000) Narrative Inquiry: Experience and Story in Qualitative Research. San Francisco: Jossey-Bass.

CONNELLY, F. M. CLANDININ, J.; Teachers as curriculum planners: narratives of experience. New York: Teachers College Press, 1995.

CONNELLY, M & CLANDININ, D.J. (2004). Narrative Inquiry. Complementary Methods for Research in Education. 3rd Edition, Washington: American Educational Research Association.

CZARNIAWSKA, B. (1997) Narrating the Organization: dramas of institutional identity. Chicago: University of Chicago Press.

DIAMOND, C.T.P & MULLEN, C.A (1999) The Postmodern Educator: Arts-Based Inquiries and Teacher Development. New York: Peter Lang.

LIMA, C.M.G. de; DUPAS, G.; OLIVEIRA, I.de; KAKEHASHI, S. Pesquisa etnográfica: iniciando sua compreensão. Rev. latino-am.enfermagem, Ribeirão Preto, v. 4, n. 1, janeiro 1996.

MELLO, D.M. (1999) Viajando Pelo Interior de Um Ser Chamado Professor. Dissertação de Mestrado. LAEL/ PUC-SP.

MELLO, D. M. (2005) Histórias de subversão do currículo, conflitos e resistências: buscando espaço para a formação do professor na aula de língua inglesa do curso de Letras. Tese de doutorado. LAEL/PUC-SP.

OCHS, E & CAPPS, L. (2001) Living Narrative: Creating Lives in Everyday Storytelling. England: Harward University Press.

SEGOVIA HERRERA, M. Risco e segurança do trabalho desde o ponto de vista de um grupo de trabalhadores de uma agência de distribuição de energia elétrica. In: ENCONTRO INTERAMERICANO DE PESQUISA QUALITATIVA EM ENFERMAGEM, I. São Paulo. Trabalhos. São Paulo, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, 1988. (Resumo)

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